Conheça Cícero Lucas, morador do Aglomerado que ganhou prêmio do cinema

Ana Clara, Ana Júlia, Esther Christine, Luís Felipe

O morador do Aglomerado da Serra, Cícero Lucas, 17 anos, conquistou o prêmio de melhor ator coadjuvante na 22º edição do Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, realizado em agosto de 2023, na Cidade das Artes, Rio de Janeiro. O mineiro vive o sonhador Deivinho no filme Marte Um, dirigido por Gabriel Martins. O longa-metragem, filmado na cidade mineira de Contagem, também foi aclamado durante a premiação, levando para casa oito prêmios de 15 indicações.

Cícero, com idade de 13 anos no período de gravação, relata como surgiu a oportunidade para interpretar Deivinho e a jornada de construção do personagem: “Estava na roda de samba que meu pai toca e o Gabriel (diretor do filme) ia muito lá com toda sua família e , quando ele estava escrevendo o roteiro de ‘Marte Um’, a esposa dele disse que eu era muito parecido com o Deivinho, foi aí que surgiu a oportunidade de atuar no filme. Quanto ao processo de construção do personagem, o Deivinho é muito parecido comigo, então não foi difícil construí-lo, havia muito de mim nele”, conta o ator.

Imagens: divulgação Marte Um

Reconhecimento

Cícero quer continuar atuando no cinema e fala sobre a sensação única de conquistar o prêmio de melhor ator coadjuvante logo em seu primeiro filme: “Eu descobri uma nova paixão, sabe? Penso sim em continuar fazendo filmes. Foi uma sensação incrível de, em meu primeiro filme, já ter ganho um prêmio tão importante, eu realmente não esperava. A gente chegou no Rio, e o pessoal do hotel que também trabalhava com cinema achava que ‘Medida Provisória’ seria o favorito, então eu já não estava tão confiante. E quando chega Marte Um, que com 13 indicações levou oito prêmios, acabou com o evento, foi muito massa! Com protagonistas negros chegando tão longe assim, sabe? Muito massa!.”

De acordo com o ator, a pandemia impactou a produção da obra, tornando o sentimento de vitória e reconhecimento ainda maior: “ O filme foi programado para ser lançado em 2020, mas, com a pandemia, veio a ser lançado somente em 2022. As gravações, por exemplo, foram realizadas em 2018”. Cícero conta que seus amigos e familiares o apoiaram muito durante todo o processo e vibraram com cada conquista junto a ele. Quando ouviu de uma amiga que o filme estava sendo cogitado para uma indicação ao Oscar, sua reação foi uma só: ‘’Não acredito, deve ter alguma coisa errada. Quando fui pesquisar e vi a indicação, não pude me conter: vibrei de felicidade!’’.

A atriz Camilla Damião, que dá vida à personagem “Eunice” em Marte Um, não consegue falar sobre o jovem ator mineiro sem se emocionar: “Quando conheci o Cícero ele era um bebê ainda né? Ele estava muito novinho e foi amor à primeira vista. Ele é um menino muito iluminado e me transmitiu de cara ternura e toda essa atmosfera cósmica”.

Ela lembra como foi contracenar com Cícero. “Um menino com brilho no olhar, muito atento e muito puro. E eu acho que, quando a gente está na atuação, tem que ter esse compromisso da sinceridade, da pureza e de se jogar mesmo. As crianças têm essa luz, essa pureza. Para mim, contracenar com o Cícero foi um grande presente, de poder compartilhar da ternura dele, da pureza dele e de ter conquistado a confiança dele em cena, sabe? Foi um grande presente. O Cícero é um grande presente nas nossas vidas.”

Camilla destaca a reação ao saber que o filme foi cogitado para ser indicado ao Oscar: “O que mais me marcou em ‘Marte Um’ foi a esperança de poder sonhar, sabe? De poder me sentir necessária e digna. Marte Um foi um filme que chegou em uma época da minha carreira como atriz em que eu estava muito desacreditada de muitas coisas”, afirma. “O que mais me marcou foi a possibilidade de poder sonhar, de acreditar na possibilidade de que as coisas podem se realizar, de fazer menos virar mais, sabe?”.

A atriz demorou a acreditar no que estava acontecendo. “Confesso que quando o filme foi para o Oscar, minha ficha demorou a cair. Eu lembro que ficava há dias pensando ‘Cara, não é possível que isso tá acontecendo’. Eu sou uma menina que veio da periferia, eu achava que não sairia do meu bairro e, quando Marte Um foi indicado, viajei para vários estados e até saí do país representando o filme. Eu fiquei em pasme durante semanas e acho que só fui cair na real quando viajamos com o elenco para Los Angeles para fazer a campanha do Oscar. Eu ficava me besliscando internamente toda hora para saber se aquilo era real. Eu, literalmente, me senti em Marte.”

Imagens: divulgação Marte Um

Afeto

“Ele tocou um lado muito humano nosso. O Gabito (diretor do filme) disse uma vez em Uma entrevista que Marte Um era uma carta de amor ao povo brasileiro e eu nunca me esqueço disso. Eu como uma grande amante dos romances, da escrita e das cartas, acho que Marte Um resgata esse lado afetivo do país, e isso é algo muito necessário, a gente precisa cada vez mais falar de afeto, de sonhos, de famílias reais, e eu sinto que essa família é muito real, parece muito com as famílias brasileiras, né?”, afirma Camilla.

Para ela, “Marte Um” é importante porque representa a realidade brasileira e o filme tinha como objetivo “fazer o povo brasileiro sorrir novamente”, ao relatar uma história que carrega a pluralidade brasileira. “Marte Um diz muito sobre o país que a gente quer ter. Foi um filme gravado durante a pandemia e lançado no pós-pandemia, em um governo muito preconceituoso, elitista e de extrema direita. E aí a gente vem com uma história tão rica e sofisticada, mas em um lugar tão simples e tão honesto né? Eu acho que Marte Um veio nesse lugar de fazer o povo brasileiro sorrir, chorar e se emocionar novamente”.

Camilla – que mora hoje no Rio de Janeiro – e Cícero se falam e tentam se encontrar sempre que podem. Ela conta que a última vez em que viu Cícero foi quando o ator mineiro recebeu o prêmio de melhor ator coadjuvante, e que esse dia está marcado em sua vida: “O Cícero agora é um rapazinho, né? Ele é maior do que eu e a gente se fala sempre. Eu morei na Serra por um tempo após Marte Um, então sempre tive contato com ele e com sua família depois do filme”.

“Fico muito feliz de ver ele crescendo e saber que o filme deu a ele a possibilidade de sonhar, sendo um menino da periferia também. Acho que a última vez que estive com ele me marcou muito, foi no Prêmio da Academia Brasileira de Cinema, e recebeu o prêmio de Melhor Ator Coadjuvante. Aquilo foi impagável. Poder presenciar ele subindo no palco no dia do aniversário do pai e receber aquele prêmio, sabe? Acho que essa é uma das imagens que marcaram, sim, meu ano de 2023.”

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