Mês da Consciência Negra com dupla comemoração
Por Ana Luiza Guastaferro
No mês da Consciência Negra, Belo Horizonte teve duplo motivo para comemorações. Além de O Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra ser celebrado como feriado nacional pela 1ª vez este ano, a capital mineira ganhou, em 30 de junho, suas primeiras estátuas em homenagem a mulheres influentes da história afro-brasileira. Lélia Gonzalez e Carolina Maria de Jesus foram imortalizadas em bronze e integram o Circuito Literário de Belo Horizonte, destacando o valor da representatividade negra em espaços públicos. A iniciativa de eternizar a antropóloga Lélia Gonzalez, referência em estudos de gênero, raça e classe no Brasil, e a também escritora Carolina Maria de Jesus, responsável pela consagrada obra “Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada”, marca um avanço simbólico na cena cultural belorizontina ao saudar figuras negras de destaque. As estátuas, em tamanho real, estão localizadas no Parque Municipal Américo Renné Giannetti, em frente ao Teatro Francisco Nunes. Em entrevista ao Jornal O Ponto, a jornalista Etiene Martins, doutoranda e mestre em Comunicação e Cultura, e mestranda em Relações Raciais, fala sobre a importância do projeto, o impacto na sociedade e os desafios da promoção da cultura negra.
Entrevista:
Jornal O Ponto: Etiene, como você vê a escolha das mulheres negras homenageadas?
Etiene Martins: São muitas as mulheres negras que tiveram seu protagonismo e sua importância apagadas. Portanto, para elaborar a minha pesquisa, que resultou na escolha de ambas, foi um desafio enorme. Para que eu pudesse escolher as duas, levei em consideração diversos aspectos. Além de serem mineiras, tanto Lélia Gonzalez quanto Carolina Maria de Jesus possuem projeções internacionais e uma contribuição imensurável para toda a população brasileira.
Qual é, na sua visão, a importância de projetos como esse para a promoção da representatividade negra em espaços públicos?
Viver em uma cidade em que a maioria da população é negra e todas as estátuas são brancas é uma violência simbólica. Essas duas estátuas é uma proposta de preservação da memória, de homenagem tardia e, principalmente, para desmistificar os estereótipos impostos nas representações até então elaboradas pela branquitude, que sempre esteve no poder e escolheu quem era digno/digna ou não de homenagens. Na minha opinião, as estátuas são um pequeno e humilde passo em direção à descolonização da arquitetura urbana na capital mineira.
Como iniciativas desse tipo podem contribuir para a conscientização sobre o racismo e para o fortalecimento da identidade negra na sociedade?
Acho que essa iniciativa contribuiu porque provoca reflexões. Faz com que as pessoas que se deparam com essas estátuas se perguntem: por que eu já vi estátuas de tantas pessoas brancas, animais, objetos e essa é a primeira vez que vejo estátuas de pessoas negras? Já no quesito do fortalecimento da nossa identidade tem uma expressividade tão bonita entre as crianças e adolescentes que poderão crescer vendo que é natural existir e ser valorizado enquanto negros e negras.
Na sua opinião, quais são os maiores desafios em trazer essa temática para o espaço público?
O racismo que é constante, contínuo e cruel.
Quais são suas expectativas sobre o impacto desse projeto na população?
Já não é mais uma expectativa. O impacto é real, muitas pessoas que nunca tinham tido a oportunidade de conhecer Lélia e Carolina conheceram ao caminhar despretensiosamente pelo parque. Já é atração turística em nossa cidade. Pessoas de diversos lugares vão até lá exclusivamente para conhecê-las.
Como podemos incentivar a participação e o envolvimento da população em projetos culturais que celebrem a história e identidade negras?
A história e a identidade negra são a história e a identidade brasileira. A culinária, as músicas, as danças, enfim, a nossa ginga vêm do povo preto. O que falta é educação, formação e conhecimento para que as pessoas de forma geral compreendam isso.